Cotidiano no Xingu
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Existe uma atividade constante nas aldeias; a mulher, o homem, a criança, todos se ocupam de alguma coisa. Mas, para quem vê de fora, pode parecer que tudo está parado”.1
Numa aldeia de Indígenas agricultores, como os do Alto Xingu – Kamayurá, Yawalapiti, Waurá, Kalapalo e outros -, o trabalho intensifica-se, naturalmente, nas épocas de plantio e colheita, isto é, no início da estação das chuvas (outubro e novembro) e nas vésperas da seca (abril e maio). Com pouca variação de grupo para grupo, os xinguanos plantam milho, batata-doce, banana, amendoim, abóbora e outros produtos, mas sempre e principalmente a mandioca, que é a verdadeira base da sua alimentação. Quando a fertilidade do solo declina, abrem-se novas áreas pelo conhecido processo da coivara: a mata é derrubada nos primeiros meses da seca (junho e julho) e queimam-se os troncos e galhos antes do início das chuvas. Este trabalho pesado é função exclusiva dos homens adultos. A mulher, por sua vez, cabe arrancar a mandioca e transformá-la em farinha e beiju (uma espécie de broa).
Embora cada família cuide e colha de sua própria roça, o produto final é armazenado em depósitos comuns pelas diferentes famílias que moram numa mesma casa, sem levar em conta a quantidade produzida por cada uma. Os Txukahamãe, localizados no norte do Parque costumam armazenar o alimento comum no centro da aldeia |
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Naturalmente,
dentro desse ciclo anual sobram períodos mais ou menos longos
em que só resta ao Indígena esperar pelo crescimento da
planta semeada. Então ele tem mais tempo para dedicar a outras
atividades: a cerâmica, a cestaria, a fabricação
de armas e ferramentas, as festas e rituais, ou simplesmente o ócio,
que afinal é uma forma de vida.
E
há ainda a pesca, a caça e a coleta, que representam
fontes suplementares, mas necessárias, de alimento e são
praticadas regularmente o ano inteiro.
Para entender a impressão de imobilidade que uma aldeia xinguana pode dar, mesmo quando em plana atividade, é preciso imaginar sua rotina num dia qualquer que não seja de festa ou de algum outro acontecimento extraordinário.
Todos
os dias, ao nascer do |
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Os
Indígenas costumam levantar-se cedo no Xingu, assim que o sol
começa a clarear o horizonte. Em geral, os homens saem de casa
antes das mulheres, e logo se reúnem na beira do rio para o
banho da manhã. Se faz frio, acedem um fogo junto da água,
conversam, aquecem-se, pulam n’água, voltam para perto
do fogo, e ficam nesse vaivém por algum tempo. Depois tomam o
caminho de volta para a aldeia, e vêm as mulheres com as
crianças para a beira do rio. A mesma cena repete-se: o banho,
a conversa ao pé do fogo. Não há hora certa para
comer, mas quase sempre, depois do banho, todos comem um pedaço
de beiju como se fosse o café da manhã. Se o homem vai
sair para a roça ou um outro serviço pesado – uma
caçada ou pescaria mais longa, por exemplo, a mulher
prepara-lhe um caldo especial, rico em amido, desmanchando o beiju em
água. Caso contrário, o beiju comum, comido puro, é
alimento suficiente.
Quando
o sol começa a esquentar, ainda bem cedo, boa parte dos homens
e mulheres, já deixou a aldeia rumo a suas roças, ao
rio ou à floresta. Os que ficaram ocupam-se de outras tarefas,
geralmente dentro ou na porta de suas casas. Nenhuma agitação,
nenhum sinal mais evidente de esforço intenso e organizado.
Nenhuma imagem que um cinegrafista pudesse registrar como síntese
da atividade produtiva da aldeia, assim como o movimento de uma
fábrica, por exemplo, sintetiza a atividade da grande cidade
industrial.
Existe um preconceito muito difundido entre os caraíbas* sobre a “indolência” do Indígena. Acostumados aos horários fixos de trabalho e uma perspectiva ilimitada de acumulação de riquezas, parece estranho que outros homens possam dosar livremente seu tempo de trabalho e lazer, sem a preocupação de produzir mais do que o exigido pelas necessidades correntes. Pois é isto exatamente o que o Indígena faz. Se necessário, ele é capaz de revelar uma resistência física extraordinária, trabalhando sem descanso na abertura de uma roça ou seguindo a trilha de um animal na floresta por vários dias consecutivos. Num dia comum, por outro lado, raramente passa a manhã e a tarde trabalhando no mesmo serviço pesado. Se sai de manhã para derrubar mato, lá pelas onze horas, quando o calor aperta, toma o caminho de volta para a aldeia. Depois de comer qualquer coisa em casa, o mais provável é que se acomode na rede para sestear até às três ou quatro horas da tarde.
Ao pôr do sol, os homens se reúnem novamente, só que desta vez na “casa dos homens”, no centro do terreiro da aldeia; |
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os
pajés numa roda à parte, os outros Indígenas
contando histórias, pilheriando, ali ficam até
escurecer.
Sete
horas, sete e meia, já quase todos dormem em suas casas.2
*
Caraíba= civilizado, não Indígena.
1.
Marcelo Kujawski, cinegrafista, no Parque Xingu em 1973.
2.
Revista ÍNDIOS do Rio Xingu – Rio Gráfica e
Editora, Sem data.
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